Branca de Neve

Há muito tempo, num reino distante, viviam um rei, uma rainha e sua filhinha, a princesa Branca de Neve. Sua pele era branca como a neve, seus lábios vermelhos como o sangue e seus cabelos pretos como o ébano.

Entender o conceito de sistema é imprescindível para o autoconhecimento. Um sistema estabelece uma relação organizada entre elementos distintos, que interagem entre si provocando um determinado resultado.

O homem deve ser visto como um sistema. Sua vida é resultado do conjunto de características psicológicas que interagem e determinam os padrões de pensamento, sentimento e comportamento que se apresentam de forma única em cada indivíduo. O convite para a introspecção e um mergulho nas águas profundas do inconsciente sempre foi conhecido desde a antiguidade.

“Conhece-te a Ti Mesmo...” é num PRIMEIRO momento, um chamado para tornar-se consciente do sitema formado pela interação entre os pensamentos e emoções, que atuam constantemente nos homens. O resultado desta interação fundamenta a personalidade de cada um.

A origem da palavra pessoa vem do verbo latim – personare - que quer dizer "soar através de''. Persona era uma máscara usada pelo ator, que permitia compor o personagem ideal para cada papel vivido no palco. A máscara facilitava o trabalho do ator para “incorporação do personagem” e facilitava na projeção da sua voz, para que pudesse ser ouvida pelo público.

O psiquiatra suíço C. Jung trabalhou bastante o conceito de Persona e identificou que as pessoas também usam máscaras para atuar nas diferentes situações de suas vidas. Mesmo sem perceber, assumimos posturas muito distintas dependendo do ambiente social, visando comportar-se “corretamente” para pertencer ao grupo.

De acordo com Jung, as pessoas buscam se adaptar às circusntâncias à sua volta e por isso, uma pessoa pode usar várias máscaras. Por isso podemos dizer que “A vida imita a arte”. Existe também a possibilidade de uma pessoa usar a mesma máscara em diferentes contextos, mais este é outro caso. O que importa no momento é saber que as pessoas se identificam demais com suas máscaras e se perdem de sua verdadeira essência.

O dilema que surge na primeira cena do terceiro ato de Hamlet “... Ser ou não Ser, eis a questão...” trata do conflito que acontece quando os pensamentos querem uma coisa e as emoções, outra. Querer estudar e não ter ânimo, querer abandonar um mau hábito, mudar comportamentos prejudiciais, valorizar pessoas certas, afastar-se das pessoas erradas, etc. são pequenos exemplos que mostram como o conflito está presente na vida das pessoas e como são gerafores de sofrimento.

É importante saber que o ser humano é resultado da relação entre seus pensamentos e emoções. Ele é razão e emoção AO MESMO TEMPO. Quando se desconhece a estrutura básica que faz parte da natureza humana, a complexidade que surge dificulta bastante a vida das pessoas.

Encontrar formas eficazes para representar internamente este “Homem Sistema” é de extremo valor para se estruturar uma postura determinada, confiante e corajosa diante dos obstáculos naturais da vida. Encontrar os melhores recursos para trabalhar o equilíbrio psíquico é a forma mais eficiente para amenizar os conflitos vividos pela pessoa. Estes recursos existem há muito tempo, porém são cada vez mais desprezados.

Os contos de fadas são histórias normalmente associadas ao público infantil. Contudo, eles são excelentes ferramentas para trabalhar a organização interna em crianças e adultos. Os contos de fadas se expressam através de uma linguagem simples e de fácil assimilação, usando símbolos que podem ser associados de forma análoga aos processos naturais da mente. Assim, consegue-se representar a dinâmica dos processos mentais que influenciam na qualidade de vida das pessoas, tornando possível a integração e a harmonia.

Na história da Branca de Neve, por exemplo, pele, lábios e cabelos podem ser usados para representar este “homem sistema”, correspondendo respectivamente ao corpo, emoções e razão. Esta representação pode ser útil porque possibilita identificar (diferenciar) cada parte e conscientizar-se da relação organizada e equilibrada entre elas. A mente trabalha com analogias e por este motivo, simbolismo é tão eficiente.

Pele branca como a neve: Neve é água em estado sólido e esta expressão se refere à realidade material e concreta que nos cerca. Revela aquilo que cada pessoa está imprimindo em sua vida. A pele reveste e delimita a vida das pessoas, imprimindo um padrão visível que pode ser analisado.

Ao observar a vida de forma simbólica, descobriu-se que os problemas físicos têm suas origens nos desequilíbrios internos. O termo Psicossomático se refere a ideia de que a desordem psíquica interfere no Soma, ou seja, no corpo. Uma observação simbólica do estado de saúde e da configuração da vida das pessoas sempre foi muito eficiente para REVELAR seus desequilíbrios internos. Esta técnica é indispensável nas práticas psicológicas e psicanalíticas.

Assim, ao observar o resultado que está sendo impresso no corpo e na vida de uma pessoa, podemos enxergar (com um olhar simbólico, análogo, comparativo) a desordem interna que deu origem aos seus problemas e apontar para um diagnóstico que orienta o trabalho na CAUSA INTERNA.

Os lábios - vermelhos como sangue - representam a intensidade das emoções que são responsáveis pela vida que anima o corpo. É o que chamamos de mundo das emoções ou vida interior, extremamente importante porque motiva todas as ações humanas. As emoções podem ser sentidas no corpo, no entanto, sua dinâmica só pode ser percebida quando se desenvolve formas mais maduras de percepção.

O pensamento abstrato tem ligação direta com as emoções e se caracteriza como um estado maduro da mente que se desenvolveu. A percepção abstrata amplia a visão que as pessoas tem sobre suas vidas, indo além da percepção concreta, que é fundamentada pelos 5 sentidos humanos. Este estado da mente faz parte do processo natural de desenvolvimento e crescimento interior. O corpo físico se desenvolve e cresce com alimento, água e descanso. A mente também precisa de recursos fundamentais para se desenvolver e crescer. Ela depende dos símbolos (emoção), conceitos e ideias (razão) e descanso (tempo para interiorizar e organizar o novo conhecimento).

Para transpor o “ponto crítico” entre Concreto e Abstrato, a mente deve ser alimentada com abundância de símbolos (imagens mentais interiorizadas) que deverão ser relacionadas a conceitos e ideias que ampliem seu sentido, até ao ponto de integração de partes aparentemente opostas, paradoxais. Este é um poderoso modelo de integração e harmonização interior. JUNG CHAMOU DE INDIVIDUAÇÃO A ARTE SAGRADA DE ENCONTRAR A ESSÊNCIA QUE UNE TUDO QUE COMPÕE A VIDA. Encontrando esta essência que as perpassa, é possível transcender as diferenças e unificar ideias opostas, cessando o conflito.

O cabelo, que se posiciona no alto da cabeça, representa a razão e vontade humanas. Os animais híbridos da mitologia que tinham cabeça de homem em corpo de animal remetem a idéia de que eram seres governados pela parte humana e não pela parte animal que os compunha. Esta representação simbólica aponta para a existência de um CONFLITO HUMANO BÁSICO que deve ser resolvido o quanto antes. O homem só chega a SER HUMANO quando consegue governar sua vida com a Vontade humana acima dos Impulsos animais, interessando-se por aquilo que diz respeito ao outro e não somente por seus interesses egoístas.

Chegar ao ponto de SER HUMANO é saber respeitar as diferenças e pensar de forma coletiva. É encontrar uma maneira criativa para harmonizar os próprios interesses com o interesse coletivo. Assim, quanto maior o esforço para se desenvolver e crescer no caminho da busca por seus objetivos, maior será também a contribuição para o todo social. Esta filosofia fundamenta o que se conhece hoje como Empreendedorismo Social.

Ao comparar os cabelos com o ébano (um tipo de árvore com uma madeira forte e resistente), a intenção é mostrar que a Vontade do homem deve compartilhar de características semelhantes: A Vontade humana deve ser forte, tornando o homem decidido e determinado.

Sem um modelo simbólico para representar de maneira análoga a realidade psíquica, fica muito difícil realizar mudanças profundas e duradouras na vida das pessoas. Os modelos simbólicos servem para representar os processos que acontecem na Psique, revelando e associando-se à dinâmica geradora do efeito que se espera obter.

O famoso Nó Borromeano representa a mesma ideia. Nele, três círculos sobrepostos se interpenetram e formam um ponto de intersecção no centro. Note que os três separados são três coisas diferentes, e na intersecção, se reúnem e resultam em algo diferente dos três. “O todo é maior que a soma das partes”. É semelhante a um bolo, que depois de assado não mostra seus ingredientes separados. É farinha, leite, açúcar, ovos e fermento, contudo juntos, se transformaram em algo maior e bem diferente que é percebido como um bolo. Conhecer o processo evidencia o caminho, os ingredientes usados e as etapas que foram realizadas para alcançar determinados resultados.

O desequilíbrio entre as partes que compõe o “Homem Sistema” criam conflitos e as contradições se refletem no cotidiano da pessoa. Alguém que valorize demasiadamente o lado racional da vida (Pensamento) terá dificuldade de encontrar a utilidade prática para o vasto conhecimento que possui. As pessoas podem ter vários diplomas e mesmo assim não conseguirem resolver seus próprios problemas.

A capacidade de encontrar as melhores respostas e agir de forma adequada diante das situações da vida, dependem de um equilíbrio interno mínimo que pode ser trabalhado usando os símbolos.

A ênfase na razão que fundamenta o Pensamento Cartesiano - “Penso logo existo” - trouxe um desequilíbrio muito prejudicial para os ocidentais. A razão não deu conta de resolver sozinha os problemas fundamentais da humanidade. Serviu para construir naves espaciais, computadores quânticos, aceleradores de partícula, bombas nucleares e tecnologias cada vez mais avançadas, mas não ajudaram na construção de RELAÇÕES HUMANAS entre os seres do nosso planeta. Na verdade o que se vê por aqui é um caos total. É um hospício que foi tomado pelos internos.

A fome, guerra, miséria e doença não existem por falta de desenvolvimento da parte racional e lógica da humanidade, e sim por falta de equilíbrio entre as duas estruturas básicas que formam o homem: Razão e Emoção. Todas as mazelas humanas são produtos da falta de fraternidade, amizade, empatia, amor, respeito e generosidade do homem, CONCEITOS ABSTRATOS QUE DEPENDEM DE UMA REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA para integrar de forma harmônica, pensamentos e emoções. Quando se trabalha para amenizar o desequilíbrio entre estas estruturas básicas, então criamos as condições ideais para o nascimento de um SER HUMANO com a profundidade de sentido que reveste esta palavra.

Por outro lado, uma pessoa que só valorize o lado emocional da vida, também terá dificuldade de encontrar soluções práticas para seus problemas. A idéia de que o homem deve voltar-se para seu interior é uma grande e preciosa verdade. Contudo, é importante estar atento ao risco de perder-se em si mesmo. Esta seria uma posição oposta ao desequilíbrio causado pela valorização exagerada da razão, e inevitavelmente, continuaria gerando desequilíbrio.

Por isso, observar o Soma é tão importante. O mundo concreto é a vida real, é a vida como ela é, e por isso revela o resultado entre a interação das “forças” que fazem parte do homem. Observar a realidade impressa mostra como o “homem sistema” está funcionando e com uso dos recursos apropriados, apontam para os desequilíbrios que devem ser trabalhados.

Nei Paulino

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