Mito: O nada que é tudo!
- Nei Paulino
- 21 de fev. de 2017
- 4 min de leitura

O grande poeta português Fernando Pessoa, se destacou pelo seu talento com as palavras. Seus textos foram decisivos para a evolução de toda a produção poética portuguesa do século XX. Influenciado pelo Simbolismo, foi transcendendo e expandindo cada vez mais sua capacidade criativa, que se manifestava como novas tentativas artísticas e literárias que tornavam belas e ricas toda sua obra.
A forma como usava a linguagem poética é no mínimo surpreendente e não tem como não se admirar com sua gigantesca capacidade de expressão. Ele deixou registrado que havia compreendido claramente quais eram os elementos que deveriam ser usados para envolver com beleza e perfeição suas mensagens.
Depois da morte de seu pai, sua mãe se casou novamente. Aos 7 anos partiu para a África do Sul com a sua mãe e o padrasto, que foi cônsul em Durban. Sua mãe pensava em deixar o filho sob cuidados de uma tia em Portugal, mas com ajuda de um poema feito especialmente para sua mãe, ela foi convencida a levá-lo junto.
“À minha querida mamã:
Ó terras de Portugal
Ó terras onde eu nasci
Por muito que goste delas,
Ainda gosto mais de ti.”
A função de um poeta é justamente a de revestir e ampliar o significado das palavras ao seu limite mais elevado para garantir que quando elas forem faladas, transmitam a mensagem no seu sentido máximo.
As palavras tem o poder de influenciar de forma positiva ou negativa as emoções humanas. Com o esvaziamento das palavras e a falta de um conjunto simbólico de integração e harmonia, a capacidade de comunicação entre as pessoas fica seriamente prejudicada. O que se fala quase nunca vai coincidir com o que se ouve. Por isso, ampliar o significado das palavras é uma ótima maneira para organizar a vida interior, além de ser uma fonte inestimável de prazer, que pode fazer a vida de qualquer pessoa tornar-se no mínimo, muito interessante.
“O Mito é o nada que é tudo”
O interesse do poeta pela mitologia não é sem motivo. A riqueza simbólica que envolve os mitos torna possível apreender com precisão as questões fundamentais da vida.
A capacidade de síntese de ideias complexas é um traço comum nos artistas. Quando entramos em contato com uma obra de arte, a primeira coisa que deve passar por nossa mente é que o artista condensou muito conhecimento em um pequeno espaço (pintura, poesia, escultura, etc.) que vai exigir um conhecimento fundamental para apreender o que está sendo dito.
O papel principal da arte é expandir a visão de mundo das pessoas, independente de classe social. A arte democratiza um saber que é fundamental para a vida das pessoas. Entender a arte é entender a vida, porque os “Artistas filósofos” ou “Filósofos artistas” viveram a vida em busca da sabedoria, ou seja, em busca das melhores respostas para os obstáculos naturais da vida.
O medo, a morte, o divino, o humano, o egoísmo, altruísmo, alegria, tristeza, desejo, vontade, ganância, liberdade, paz, guerrra, etc. são alguns dos temas tratados nos mitos. Os mitos são estruturas organizadas que associam símbolos a conceitos, que conseguem envolver e captar os dramas humanos permitindo o trabalho de organização interna por meio de analogia, que é a forma básica do funcionamento mental.
A afirmação paradoxal que inicia o poema “Ulisses” (o nada que é tudo) é usada para mostrar a capacidade de integração existente nas histórias mitológicas. Uma discussão sobre a veracidade destas histórias não faz o menor sentido quando se compreende que os mitos foram criados para enriquecer a vida simbólica, facilitando o desenvolvimento e crescimento humano, a fim de que as pessoas pudessem se expressar com liberdade e encontrar sua essência.
É também uma forma de colocar lado a lado as posturas opostas em relação ao tema do mito. Sempre houve aqueles que menosprezaram este conhecimento antigo e também aqueles que enxergaram as possibilidades de uso prático para trazer expanção de consciência aos homens.
“O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo -”
Nestes versos, ele amplia o significado do Astro Rei. A rotina é como uma névoa que escurece a vista do homem. Tudo que se torna rotineiro corre o risco de ser visto como banal e sem muito valor. A sabedoria oriental diz que a “consciência surge na ausência”. Os homens tem uma tendência de valorizar as coisas e pessoas somente quando as perdem. Assim, deitado em um leito de hospital, lembra-se de quão valiosa era sua saúde. O dito popular “só vai dar valor quando perder” reverbera esta verdade.
A ideia aqui é mostrar que o limite de percepção de cada pessoa, oferece a tonalidade que colore - ou não - a sua própria vida. A rotina se apresenta quando o significado dos símbolos vai se esvaindo, tornando cinza, sem colorido, sem graça e sem alegria a vida das pessoas. Assim, perde-se de vista as questões que realmente são importantes na vida, gastando tempo demais com coisas sem valor algum.
Ampliar o significado dos símbolos é ver a vida com outros olhos, fazendo que os significados das coisas se elevem ao seu mais alto nível. Dito de outra forma, é permitir que o sagrado faça parte de nossas vidas. Sagrado é a função de dar sentido, e esta capacidade humana é indispensável para elevar o homem de seu estado primitivo, (governado pelos impulsos animais) ao “STATUS DE SER HUMANO”.
O sol, visto como um “mito brilhante e mudo” é elevado à condição importante daquele que garante e mantém toda vida na terra. É uma mensagem dita em silêncio que nem todos conseguem ouvir. O sol também é luz, que representa a capacidade da consciência humana.
Semelhante ao que acontece com o sentido da visão, que precisa do (a) objeto, (b) do funcionamento perfeito de todos os orgãos ligados a este sentido e (c) da luz para iluminar o objeto, a percepção interna (consciência) também depende da presença da "luz simbólica" (Sol, Fogo, Iluminação) para iluminar o "objeto" . Portanto, o sol como um símbolo, “ilumina” a mente e permite que se traga à conscienciia o lado das sombras (normalmente negado pelos humanos) para ser integrado à nossa personalidade.
Nei Paulino
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